quinta-feira, 24 de abril de 2008

“Três séculos sem historiografia no Brasil: A crônica histórica (1500 a 1838)” 

José Ribeiro Costa [i]
Francisco Antonio da Silva, Prof. da Disciplina Historiografia Brasileira

Resumo: De 1500 a 1838, desde o descobrimento das terras brasileiras, dos seus primeiros dias até a criação do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) em 1838, o que se compreende o primeiro momento de que sua historiografia é marcada por um grande número de livros, anais e textos que por suas análises de escrita eram mais “crônicas históricas”, do que história, isto é, deste período (1500-1338) ficaram mais fontes para estudos posteriores do que mesmo obras elaboradas. Estes trabalhos não ascenderam à historiografia em sua “essência”, faltava então elaboração critica sobre estas informações, criadas neste cenário de propagandas para conhecer o Brasil, que eram produzidos como catalogação, sem crítica das informações: a crônica histórica.

Introdução
A princípio no que concerne à produção escrita no Brasil, tratava-se de cronistas tal como Gândavo, Frei Vicente, Rocha Pita, João Antonil, Fernão Cardim e Gabriel Soares de Sousa, cujos mencionarei no decorrer deste trabalho, apresentando de que forma se construía a primeira fase da historiografia do Brasil atravessando os três primeiros séculos do país, em que tal produção chega a ser não considerada história, mas, somente crônica.
Gândavo (1573) que teriam redigido a história regional, mesmo sendo de caráter propagandista da nova terra, os textos não tem sentido e estrutura explicativa, mas, um conjunto de informações sobre a nova terra, assim também como os escritos jesuítas dissertavam.
Entre historiadores portugueses havia o máximo de naturalidade, a história em Portugal era tratada com eloqüência e retórica. Somente nos anos seiscentistas Frei Vicente faz critica fundada e direta ao colonizador, mesmo assim não chegava a hora de análise global, a elaboração de obras históricas, tratava-se de aspectos particulares sem nenhuma incursão no plano global.
O conservadorismo de Rocha Pita conta com um esquema oficial sem recuar mesmo do reacionarismo, ou seja, conservadora que tende a impedir qualquer inovação no campo das atividades humanas, contrário às idéias que envolvem importantes transformações político-sociais.
No século XVIII, João Antonil, escreveu com profundidade e erudição sobre a realidade econômica, apresentava maturidade como cientista social, privilegiado na historiografia brasileira.
Chega-se então no século XIX, é apontado como o “século da História” [ii]. Naquele momento, a história era tornada disciplina autônoma, aparentemente afastando-se da literatura e da filosofia, estabelecendo seus princípios de método. Leituras e decifrações se impõem e se firmam a outras disciplinas, “A história precisa ser vista como ciência”. Várias referências em toda a Europa faziam com que o Brasil não passasse indiferente, repercutindo com a criação do IHGB, em 1838.
A escrita comum no período foi do gênero de Anais, acentuados como conservadores, eram marca freqüente na historiografia do país, entre tantos outros nomes que aqui poderiam ser citados, mas, a verdade é que nenhum deles nestes três séculos de (1500-1838) “alçou à verdadeira historiografia” [iii]. Muito contribuíram para elaboração da história, mas não o suficiente para problematizar e compreender os fenômenos.

1. Atravessando três primeiros séculos da “historiografia do Brasil”.
Pero Magalhães Gândavo conheceu o Brasil mais de referência, por isso que também sua obra é pouco historiográfica, se limita a descrição da natureza e dos homens. Gândavo, português, se residiu algum tempo no Brasil, o que ainda é questionado, porém não se sabe quanto e nem se visitou pessoalmente toda a colônia, como seus dois livros pressupõem [iv]. Acredita-se, dado o maior detalhamento das capitanias da Bahia, Ilhéus e São Vicente, que as conheceu pessoalmente. Escreveu duas obras: Tratado descritivo e História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamam de Brasil. Foram publicadas em épocas diversas, o último ainda em 1576 e o Tratado descritivo somente no século XIX. Em ambos descreveu os aspectos geográficos, a fauna e a flora da colônia lusa, os costumes indígenas e as povoações coloniais. Dedicando seus livros a políticos importantes da metrópole, Gândavo escreveu que seu objetivo era difundir em Portugal informações sobre as riquezas naturais e as vantagens da colonização do Brasil procurando, dessa forma, animar aqueles que podiam imigrar. Tais obras não passavam de um conjunto de informações e propaganda da nova terra, daí o fato de sua história antes civil, era natural, não tendo estrutura explicativa do processo brasileiro ou português.
Fernão Cardim escreveu sobre suas viagens, uma vez que viveu quarenta anos no Brasil, escrevera também sobre terra e gente: “O jesuíta Fernão Cardim era português. Chegou ao Brasil em 1584, com a incumbência de acompanhar o padre visitador, Cristóvão de Gouvêa, em seu reconhecimento das ações e obras desenvolvidas pela ordem na colônia lusa”.[v] O seu livro é composto por três tratados: Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica pela Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente, desde o ano de1583 ao de 1590; Do princípio e origem dos índios do Brasil e de seus costumes, adoração e cerimônias, do clima e terra do Brasil. O objetivo de suas narrativas era relatar à Companhia de Jesus as ações dos jesuítas na colônia e descrevê-la aos demais representantes da ordem.[vi]
Gabriel Soares de Souza, de origem portuguesa, foi senhor de engenho na Bahia, onde viveu por volta de vinte e quatro anos. Morreu numa entrada que fez ao sertão das Minas Gerais. Em Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, apresentou um roteiro geral da costa brasileira, do Amazonas ao rio da Prata, retratando a geografia, a flora, a fauna, as povoações coloniais e as populações indígenas. Na segunda parte da obra fez um memorial sobre a Bahia. O texto foi escrito em 1587, na Europa, quando buscava receber favores e honrarias, além da autorização para uma expedição para o sertão.

As descrições desses cronistas estão longe de seguir rigorosamente um mesmo modelo. A reprodução pura e simples de seus dados nos leva a uma falsa imagem, caso não tenhamos em conta o objetivo da observação que define o visualizado e memorizado pelo cronista. Não há, porém, uma visão de mundo, “ainda não chegara a hora da análise global” [vii], que filtra a relação entre o real e o visualizado e que determina o que se apresenta passível de ser concebido por esses narradores, é um fato social. Porém, devemos levar em conta que os cronistas descreveram a partir de dados locais concretos, o que o Francisco Iglésias chama de “historia regional” e que tinham intentos singulares publicando os seus relatos, não há uma contextualização de mundo aplicada às obras destes cronistas. Esses cronistas observaram a terra e seus habitantes a partir de ângulos físicos diversos. Estes traçaram as paisagens do litoral brasileiro no século XVI e início do XVII mostraram a instabilidade desses cenários: “Embora muitos já tenham criticado essa visão e apontado o descaso para com as populações indígenas, ela não foi superada. O discurso crítico foi ineficaz na substituição desse cenário por outro mais próximo do real.” [viii]
A imagem que temos do Brasil no século XVI é que este possuía pequenos espaços, núcleos com fazendas e vilas formados pela população colonial, pequenos enclaves ambientais e paisagísticos transplantados para o litoral de um continente virgem, embora se saiba que os índios também estavam ali.
Nos Setecentos, outro nome que se dedicava a magistratura foi Sebastião Rocha Pita, teve importância política, social e prestigio junto aos administradores, se colocava em sua obra sempre ao lado do colonizador: “o autor não diz uma palavra de simpatia ao país na subjugação que sofre do colonizador. Está sempre do lado dos que mandam, jamais na perspectiva de povo.” [ix],daí explica o seu prestigio junto aos administradores e sua importância no período. O esquema oficial deste era extremamente conservador e não recua ao reacionarismo.
Mais um nome dos anos setecentos foi André João Antonil, se não talvez um dos mais importantes, diz Iglésias, em meios a tantas edições, foi uma das fontes mais usadas de todo período colonial. O padre jesuíta João Antônio Andreoni, que se apresentava como Antonil originário da Toscana, era formado em direito, tendo permanecido no Brasil até a sua morte, durante 35 anos. Exerceu aqui as funções de secretário do padre Visitador geral Antônio Vieira e de alguns Provinciais, e de Visitador local de Pernambuco enviado por Vieira em 1689. Mantendo-se no serviço da Companhia de Jesus, foi pregador, professor de retórica, diretor da congregação dos estudantes, mestre de noviços, Reitor do Colégio da Bahia, Provincial e confessor de dois governadores gerais, o marquês das Minas e D. João de Lencastre.
André João Antonil e Sebastião da Rocha Pita, ambos produziram obras sobre a gênese do espaço minerador, buscando, de algum modo, integrá-lo a uma história providencial da colonização portuguesa. Para isso, “investiram em temas e imagens que, além de condicionados por evidentes interesses políticos e econômicos dos plantadores do litoral, refletem os vínculos discursivos dos coloniais eruditos”.[x]
Chegara então o século XIX, cabe ressaltar que, acima de qualquer outra coisa, o que fundamentava a concepção cientificista oitocentista era uma nova concepção de tempo, oriunda, conseqüentemente, de uma nova consciência histórica. Esta nova concepção de tempo tendia a emancipar a consciência histórica do idealismo, subjacente às concepções de história setecentistas. A partir deste momento – momento “da consciência da diferenciação das dimensões temporais”, conforme aponta José Carlos Reis, “o objeto do historiador é o localizado e datado, o relativo a uma situação espaço temporal, irrepetível, singular: o evento” [xi].
Com a criação do IHGB em 1838, que se “apresentava no “papel de única e legítima instância para escrever a história do Brasil e para trazer à luz o verdadeiro caráter da Nação brasileira” [xii]. Pode-se mesmo pensar no Instituto Histórico, naquele momento, como o locus privilegiado, a partir de onde se “fala” sobre o Brasil”, onde segundo Iglésias se inicia um novo e segundo momento da historiografia brasileira.
Cabe aqui dizer que outros autores poderiam ser citados, estes que utilizaram da escrita para compor a história do Brasil nestes três séculos, mas, seriam cronistas, apenas cronistas que:
“(...) não se alçou a verdadeira historiografia. Nenhum deles, portanto, contribuiu para um esquema da historia do Brasil, distinguindo-se apenas pelo labor erudito realizado ou pelo tom predominante conservador de seus escritos – marca freqüente na historiografia nacional (...)” [xiii]

O que ainda complementa o autor, é que estes foram úteis quanto ao desenvolvimento da história regional. O que não houve, foi quem estudasse, pensasse e problematizasse sobre a formação e os rumos do Brasil, em meio aos acontecimentos de ordem nacional e global.
São julgamentos que se fazem a respeito deste primeiro momento, em que se diferencia a crônica da história, no seu estudo mais completo do assunto, isto é, as crônicas históricas, produzidas nestes séculos “contribuíram para elaboração da história, mas, insuficientes para compreender os fenômenos”.[xiv]

Considerações Finais

Termino este artigo me referindo ao titulo a ele dado, “Três séculos sem historiografia no Brasil: A crônica histórica (1500 a 1838)”, primeiro porque diante do desenvolvimento deste artigo, entre as leituras realizadas, vejo que tais cronistas utilizaram da descrição da nova terra para fazer conhecer-se o Brasil, e que, no entanto não houve um alcance a historiografia no que se faz o sentido histórico, mas, um conservadorismo a produção escrita meio ao conjunto de informações, que de forma erudita, foram insuficientes quando se trata do processo de formação do Brasil e dos brasileiros.
Segundo, porque faltou à elaboração da crítica das informações, faltou problematizá-las, para que se fizesse historiografia, quando por sua vez fizeram destas informações do homem/natureza um cenário de propagandas para conhecimento do Brasil lá fora, deixando sem criticidade histórica o contexto vivido no país a priori, e dos rumos deste a posteriori.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Francisco Eduardo de. A Natureza e a gênese das Minas do Sul nos livros de André João Antonil e Sebastião da Rocha Pita. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 171-195 – 2006.

CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil. Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 51, junho de 2006.

IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia Brasileira. Rio de janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG, 2000.

KARVAT, Erivan Cassiano. A historiografia como discurso fundador: reflexões em torno de um Programma histórico. Revista de História Regional 10(2): 47-70, Inverno, 2005.

SZMRECSÁNYI, Tamás. Retomando a questão do início da historiografia econômica no Brasil. (DPCT/IG/UNICAMP).


REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1996.
[i] Graduando do Curso de História da UECE/FAFIDAM, semestre VII.
[ii] IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira, 2000.p.40.
[iii] IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira, 2000.p.53.
[iv] CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil. Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 51, junho de 2006.p.71.
[v] Idem;
[vi] Idem;
[vii] IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira, 2000.p.32.
[viii] CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil.p.64.
[ix] IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira, 2000,p.35.
[x] ANDRADE, Francisco Eduardo de. A Natureza e a gênese das Minas do Sul nos livros de André João Antonil e Sebastião da Rocha Pita.p.171.
[xi] REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência.p.6.
[xii] KARVAT, Erivan Cassiano. A historiografia como discurso fundador.p.52.
[xiii] IGLÉSIAS, op.cit.p.53.
[xiv] Idem, p.54.

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