quarta-feira, 30 de abril de 2008

Os Precursores da Historiografia Brasileira


Luzimar Pinheiro da Costa de Sousa
História, UECE-FAFIDAM
Historiografia Brasileira, III semestre.
Francisco Antonio da Silva
Prof. do Curso de História da FAFIDAM/UECE

Introdução

Francisco Iglésias, procura mostrar como os cronistas do período colonial contribuíram para a historiografia brasileira, se atendo a um determinado período da nossa história, de 1500 a 1838, e de determinadas obras e acontecimentos decorrentes do período. Analisou o papel desempenhado pelos cronistas, criticando-os quando necessário, mas reconhecendo as contribuições que eles deixaram para a produção historiográfica brasileira.

Autores e Obras

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, não se inicia somente um período de colonização, o espaço também deu lugar ao aparecimento de obras que o autor analisa procurando identificar nos autores dessas obras aqueles que se elegeram no gênero de historiador. O autor inicia lamentando a perda da obra, História da Província de Santa Cruz, daquele que para ele iniciou a profissão de historiador, o cronista, historiador e escritor português João de Barros, que veio para o Brasil por ter sido contemplado com uma capitania. Como lamenta também a perda de outros escritos, que para o autor, pela falta de censura se intitularam de História do Brasil.
O primeiro a ser referido por ele como historiador no período quinhentista, é o português Pero de Magalhães Gândavo, que escreveu em 1573 e publicou em 1576, a História da Província de Santa Cruz. O autor faz uma severa crítica a Gândavo, por ele não ter conhecido bem o país e sua obra ter sido pouco historiográfica, e que para ele se constituirá mas num texto de propaganda da nova terra, que não tinha características propriamente didáticas, mas sim uma crônica descritiva da natureza e dos homens. Mas outros portugueses escreveram sobre a nova terra, como os jesuítas que merecem destaque por suas obras, por exemplos: Fernão Cardim, que viveu quarenta anos no Brasil e por esse motivo tinha mais conhecimento para escrever um conhecimento sobre o país e Gabriel Soares de Sousa que residiu no país por dezessete anos, português, escreveu notável texto, que permaneceu inédito, só sendo publicado no século XIX, o que lhe restringiu a eficácia. Apesar de não ser uma reconstituição histórica e o autor compará-la com a de Gândavo, pode-se reconhecer hoje que sua obra foi o melhor que se produziu sobre a nova terra, no primeiro século da colonização.
O período quinhentista foi caracterizado por muitas obras, que não tiveram muito labor historiográfico, se tratando de crônicas descritivas referentes a nova terra, das quais eram produzidas pelas concepções de vida de seus autores, que não tiveram a preocupação em construir um conhecimento histórico daquele momento vivido. Podemos até mesmo levar em consideração que se tratavam de portugueses que já tinham sua nação estabelecida, portanto descreviam o espaço que “pertencia” a Portugal.
Já no inicio dos setecentos, pode-se constatar a primeira História do Brasil escrita por um brasileiro, à obra de Frei Vicente do Salvador, concluída em 1627. Um homem erudito que possuía uma gama de conhecimentos , baiano que teve amplos estudos feitos no Brasil e em Portugal. Para o autor Frei Vicente é um marco significativo, além do pioneirismo, foi original na composição de sua obra, desafiando o estilo árido e convencional da época, como também escrevendo de forma leve e agradável, num tom revelador de gosto literário. Seu livro é simples e direto, se contrapondo com a história da época, que em Portugal era tratada com retórica e eloqüência. Seu estilo de narrador pitoresco, talvez tenha sido obstáculo para sua publicação, pois o português Severim de Faria por ter o culto da linguagem pura e solene, não promoveu a publicação da História do Brasil (esta que lhe era dedicada), nem da História da Custódia do Brasil (que afinal se perdeu).
Iglesias faz referência a crítica feita por Capistrano de Abreu que chegou a falar do livro do Frei, intitulando-o de Histórias do Brasil. Mas, para Iglesias o Frei faz descrições da realidade e trata da trajetória dos primeiros cento e vinte e cinco anos, em cinco livros, dos quais muitas partes dos textos se perderam, escrevendo sobre a história de seus dias, em boa prática da historiografia de todos os tempos, atendo-se a sua problemática, que é o descobrimento da terra até a tentativa de conquista da Bahia pelos holandeses, pode-se perceber em sua obra o que foram os governos e suas ações. Algo de grande relevância é o seu conceito de história, que para Frei Vicente: “é de seu ensinamento para que os estudiosos enfrentem as situações: os livros históricos são luz da verdade, vida da memória e mestres da vida”,(IGLESIAS, cit., p.30), escrito no começo de sua obra, é um conceito que mais se parece com um alerta para que os estudiosos reconheçam o verdadeiro sentido de se fazer história e de como esse conhecimento pode ser fundamental para entendermos muitas coisas que estão a nossa volta e fazem parte da nossa vida, da nossa identidade.
Para Iglesias o Frei percebe o momento reconhecendo o essencial do processo: luta entre índios e colonizador, simpatizando com os índios, aponta os defeitos da colonização, considera superficialmente a condição do negro, denuncia a falta de iniciativa do português que só fixa no litoral, sem se embrenhar pelo interior e critica a exploração do país pelos portugueses que não pensam na criação de riquezas para o Brasil. Para o autor já se percebe um “nacionalismo” ainda que tímido no Frei Vicente, mas que já pode ser considerado para a historiografia brasileira.
O Frei Venâncio Willek, biografo do historiador Frei Vicente, apontou em 1975, um dos possíveis motivos para a não publicação do livro do Frei, pois para Venâncio ele seria o primeiro censor do português e o primeiro a fazer crítica ao colonizador.
Iglesias reconhece na fala de Manoel Bonfim, em O Brasil na História, em 1931, a perda na falta de edição imediata da obra de Frei Vicente, pois segundo Manoel Bonfim “serviria de modelo”, para outros autores reconhecer e divulgar os problemas locais e seus propulsores. O autor faz também uma comparação da obra do Frei com as de certos cronistas, como pero Vaz e Gândavo e até mesmo de nossos dias, diferentemente de Frei Vicente, são ufanistas só no sentido de elevar as belezas da terra dentro de suas concepções. A obra permaneceu inédita até 1886, quando Capistrano de Abreu a apresentou no Diário Oficial, com algumas partes ou livros editadas, sendo publicadas integralmente em 1888 pela Biblioteca Nacional em seus anais.
Iglésias reconhece a importância e limitações da obra do Frei, que mesmo não se tratando ainda de uma trajetória brasileira em 1627, é um baiano admirável, revelando um historiador com a lucidez de sua época, da sua terra e da função que se propôs a escrever e escreveu.
No mesmo período surgem outras obras, sem aspectos particulares da colonização, como Diálogo das grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão de 1618, que não era história do Brasil, mas sim fonte notável de poder informativo, que também teve edição limitada.
Discorrendo sobre o século XVIII, o autor nos faz perceber que a situação não alterou fundamentalmente, continuou a elaboração de obras históricas com aspectos particulares, sem abranger o plano global. Obras que remontam genealogias e conquistas, como por exemplo; Memórias da Capitania de São Vicente, de 1797, do Frei paulista Gaspar da Madre de Deus, quando o movimento entradista terminara. Acompanhando seu tempo o autor esclarece a falta de tentativa de estudo geral, já que não se tinha consciência de Brasil, naquela época, mas de áreas brasileiras, o que explica o desconhecimento de uma parte relativa à outra ou outras. O autor critica a restrição da divulgação dessas obras, que atingiam um numero mínimo de leitores.
No mesmo século, escreve-se e publica, a História da América portuguesa, de Sebastião Rocha Pita, em 1730, que abrange o ano de mil e quinhentos até mil e setecentos e vinte e quatro. Rocha Pita era baiano e teve muita importância social e política, versado em línguas, mitologia, história e literatura clássica, usufruiu bastante de seus conhecimentos em seus escritos. Iglésias o compara a seu antecessor frei Vicente que era simples e coloquial, enquanto, Pita era oratório, afetado, solene. Apesar de reconhecer sua capacidade de trabalho, o autor o considera insensato e sua falta de objetividade perdeu o autor. Pita escreveu sobre a trajetória nativa dos primeiros anos até a vinda dos holandeses a sua Bahia, da exterioridade política, falando de seus governos, suas lutas e vitórias, de todo tipo de rebelião, mas seu conservadorismo e reacionarismo não lhe permitiram escrever uma História do Brasil, pois lhe era favorável à situação, escrevendo a Historia da América Portuguesa, fato esse que podemos perceber em muitos outros autores. Assim como reconhece José Honório Rodrigues na primeira parte de sua História da História do Brasil em 1979, que Rocha Pita era partidário da ordem estabelecida, considerando-o antigentio, discriminatório e preconceituoso. Rocha Pita é bastante censurado por outros autores, mas Iglésias reconhece que seu livro tem importância histórica e como empreendimento deve ser citado e estudado. Para o autor podemos ainda considerá-lo como representante da historiografia brasileira oficial conservadora por esse ter sido um modelo bastante cultivado na historiografia brasileira, que se baseia na linha dos governos, na cronologia das administrações, do autoritarismo e negação de qualquer direito popular.
A obra de 1730, vem sendo sempre julgada, o que é natural pois este é o momento da historiografia brasileira. Contudo a obra de Rocha Pita não foi o principal livro do período, mas a de Antonil. André João Antonil era o nome com o qual se apresentou João Antônio Andreoni em Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, em 1711. Andreoni era jesuíta e veio cedo para o Brasil. Andreoni traz um novo viés para historiografia do século XVIII, o econômico. Segundo Iglésias escreve com profundidade e erudição sobre a realidade econômica da época, observando os modos de produção, as tecnologias usadas, as condições de trabalho, as produções, fornecendo números das atividades. Ateve-se também ao problema social e político, era crítico e superou o seu tempo e sua capacidade de análise econômica da época, fez dele um autor de história econômica. O livro de Andreoni causou muito impacto no governo da época que mandou recolher e proibiu o livro, o que causou a perda de alguns exemplares, mesmo assim não impediu que a obra se propagasse e fosse uma das fontes mais usadas de todo o período colonial, tornando-se clássicas, o que confirma a importância e contribuição de seus escritos para o autor.
Outro nome de destaque do Setecentos é ode Cláudio Manoel da Costa, com outro estilo o da poesia, que em 1768 editou em Coimbra seu primeiro livro, intitulado de Obras, e escreveu um poema épico, Vila Rica, datada de 1773, inédito até 1839. Vila Rica é obra literária com fundamento histórico, pois o poema trata da criação da Vila em 1711, e suas fontes são obtidas pelo próprio autor do conhecimento que tinha da região e pelas relações pessoais com outros cultores da história de então.
O século XVIII, é marcado pela distinção de gêneros, me refiro agora aos anais, que foram uma espécie de arrolamento de quanto sucedeu em certa área. Bernardo Pereira de Berredo publica em Lisboa em 1749, um longo e paciente texto, Anais históricos do Estado do Maranhão. Segundo o autor é uma crônica pormenorizada da vida política, religiosa e militar, onde o econômico e o social são de quase todo ausentes, o seja mais uma forma de se divulgar a ordem vigente. È bastante criticada pelo autor, pois sua linguagem é afetada, o texto comprometido pela prolixidade e matéria substanciosa.
Esses anais eram recomendados pela administração portuguesa a suas autoridades no Brasil, era uma maneira da mesma manter-se informada. Os documentos dessa espécie têm muito valor para a história, pelo muito que informam, alguns segundo Iglésias atingem mesmo o nível da historiografia, fazendo a reconstituição e análise de períodos e às vezes até retrospectos históricos.
Para Iglésias o mais notável de todos é o de José João Texeira, Instrução para o povo da capitania de Minas Gerais, que é citado como paradigma. José João escreveu com sabedoria os acontecimentos de seu tempo. Segundo Iglésias sua análise ainda não foi superada. Seu manuscrito faz uma reconstituição histórica preciosa, pela lucidez do autor e pelo cargo ocupado que lhe permitiu conhecimentos do quadro em sua plenitude.
Agora é a vez do século XIX, o século das ciências, que com a constituição sistemática das chamadas disciplinas auxiliares da história renovou e enriqueceu fundamentalmente a elaboração do conhecimento histórico na Europa, dando bases para rigor e êxito na pesquisa e trazendo também técnicas que aprimoram e garantem ao historiador cada vez mais segurança. Revelando novos modos de se recuperar, aproveitar e trabalhar documentos. Podemos perceber que Iglésias ultrapassou o período estipulado por ele, para melhor explicar os rumos que foram tomando a produção do conhecimento histórico e as crises e correntes que permearam nessa produção.É como ele mesmo esclarece essas referências visaram apenas explicar o quadro renovador do século XIX, na historiografia do mundo europeu, ao qual o Brasil se vincula. Isso repercutiu no Brasil, ocorrendo à criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838 e a edição das obras de Francisco Adolfo de Varnhagem, que foram marcos na produção nacional desbancando a produção nativa de antes.
Outra obra que é bastante destacada pelo autor é a de Luis dos Santos Vilhena, Recopilações de Notícias Soteropolitanas e brasílicas, em 20 Cartas, que levou grande parte do século XIX para ser elaborada. Iglésias percebe em Vilhena, o seu censo crítico, a maneira como ele vai descrevendo outras áreas, a capacidade de captar a sociedade em mudança. Apesar de não ser historiográfica ainda é bom material para produzir.O autor foi além de seu tempo ao perceber e analisar o presente vivido e as possíveis mudanças.
Um dos primeiros trabalhos a ser apontado pelo autor como de autêntica historiografia é a monografia de história econômica de Diogo Ribeiro de Vasconcelos, Minas e Quintos do Ouro, que para ele pode ser apresentada como fundadora da historiografia financeira. Diogo escreve sobre o regime tributário colonial e sua obra serve de pesquisa, informação, crítica, teorização desenvolvida e para entender a capitania e o destino do ouro no século XVIII. Sua obra também é merecedora de críticas, pois o autor é condescendente com o poder contributivo e seus feitos.
Para o autor a primeira história do Brasil verdadeiramente monumental , é a do historiador inglês Robert Sothey, que editou em 1810 e 1819 a sua History of Brasil. Robert apontou em sua obra os defeitos da colonização portuguesa, prevendo até mesmo sua emancipação, compreendeu bem o período identificando e apreendendo a trajetória brasileira em seus diversos aspectos e rejeitou as práticas espoliativas. Iglésias não deixa de enaltecer o fator diferenciador do autor, a preocupação estrangeira por nossa terra e a qualidade de seus escritos.
Não podemos deixar de enaltecer grandes autores como Capistrano de Abreu, que se preocupou em recuperar e publicar obras, que até então permaneciam inéditas, como também José Feliciano, Taunay, Alice P. Canabrava, André Mansuy, José Antônio Gonçalves de Melo Neto, Varnhagem, Brás do Amaral,Caio Prado Júnior, entre outros.

Considerações Finais

Segundo Iglésias, o século XIX é marcado por idéias as mais variantes, que foi palco por um lado de obras fragmentadas, escritas sobre aspectos do país, datas ou épocas e eventos, por outro, alguns autores ateve-se à pesquisa e produziu algo de valioso em seus livros. Nos escritos antecedentes as mudanças ocorridas na produção do conhecimento histórico, a maior parte dos autores transcrevia documentos ou narravam certas trajetórias, com uma visão desarticulada do processo natural. Autores com pouca expressão historiográfica, desempenhavam mais o papel de cronistas do que de historiadores.
Em sua análise Iglésias percebe que o período foi caracterizado por crônicas e que nenhuma alcançou a verdadeira historiografia. Para ele alguns se distinguiram como pesquisadores, outros pelo trabalho, abriu caminho para a história regional. Alguns foram pobres até mesmo como cronistas. O autor critica ainda a ausência de um esquema da História do Brasil, mas reconhece a contribuição desses cronistas para a elaboração da historiografia brasileira, que atualmente são usados como fonte de informação, embora não apresente suficiente compreensão dos fatos.
Devemos levar em consideração que nesse período as bases para se elaborar um conhecimento histórico ainda não estavam constituídas como atualmente e que esses cronistas fizeram parte do processo, talvez eles nem tivessem essa preocupação em ser historiadores, já que essa profissão passa por crises até mesmo em nossos dias, mas sim em narrar o que lhes era significativo, suas concepções de vida, contar sua história, deixar sua marca na sociedade.



Referências Bibliográficas

IGLESIAS, Francisco. Historiadores do Brasil, Primeiro Momento:1500-1838. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2000.









.

Nenhum comentário: