quarta-feira, 30 de abril de 2008

Segredos Econômicos que Precisam ser Calados pela Coroa Portuguesa

Germano Jesus Maia Bezerra,
Graduando em História, FAFIDAM UECE
Historiografia Brasileira
Prof. Ms. Francisco Antonio da Silva
Pretendo abordar aqui nesse breve texto os motivos que fizeram com que a coroa portuguesa proibisse e impedisse a circulação da obra de um dos grandes autores brasileiros do período Setecentista. Esse autor era ninguém mais, ninguém menos, que João Antônio Andreoni, que se apresentava pelo nome de André João Antonil, quando escreveu sua obra que se chamava, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, em 1711. Esse texto se tornou o maior foco de minha pesquisa, sendo que, é a partir de seu conteúdo que começamos a entender as preocupações da coroa em proibi-lo e até mesmo em caçá-lo, para que seu conteúdo não se espalhasse em outras regiões.
Mas qual o verdadeiro conteúdo dessa obra de Andreoni? Baseado em que, Andreoni escreveu essa obra? Porque o conteúdo dessa obra incomoda tanto a coroa portuguesa?
Essas perguntas e outras mais, latejam em minha cabeça ao deparar com esse conteúdo historiográfico, e é no decorrer desse trabalho que, na condição de estudante de história, tentarei responde-las e deixá-las bem claras para que você leitor, possa ter uma compreensão maior sobre nossa historiografia.
Para falar da obra de Antonil, é preciso falar dele como pessoa para que possamos ter um entendimento maior sobre sua obra. Antonil foi um italiano que entrou para a Companhia de Jesus em Roma aos dezoito anos de idade, mas além de se apegar ao clero logo cedo, ele também mostrou interesses em estudar Direito Civil, passando a estudar tal conteúdo na Universidade de Perúsia, chegando até mesmo a ser mestre de noviços e futuramente Reitor no Colégio de S. Salvador. Ele chegou ao Brasil em 1681 aos 32 anos e ao se alojar na Bahia logo se mostrou interessado em estudar e compreender os atores centrais da nossa economia e da nossa vida colonial: senhores e escravos.
A escrita de Antonil é baseada em uma experiência de 25 anos em solo brasileiro, onde essa experiência pode ser dividida em dois momentos distintos. No primeiro momento, Antonil se mostra muito detalhista ao descrever o cotidiano de um engenho e todos os fatores necessários para que esse engenho funcione. Ele descreveu o número de escravos utilizados, a quantidade de açúcar produzido por tal número de escravos, a forma de como esse açúcar era produzido, ou seja, ele foi muito detalhista em seu trabalho de descrição sobre o engenho, chegando até mesmo a concretizar em números e estatísticas as suas observações. O tempo de produção, a forma de produzir e a própria produção eram características bastante marcantes no primeiro momento dessa obra de Antonil. Ele demonstra uma grande preocupação com a rentabilidade da produção açucareira e tenta compreender o processo de mudanças nas atividades econômicas ocorridas com a descoberta das minas e com os caminhos abertos em função da rota do gado para o Nordeste. No segundo momento de sua obra, Antonil descreve outros fatores econômicos do Brasil, como a produção de tabaco, a mineração e a criação de gado. Sobre a mineração ele contou apenas com informações de terceiros, mas sobre a criação de gado ele foi mais amplo ao abordar tal assunto, pois ele abordou a tecnologia utilizada, as condições de trabalho e a própria produção, fornecendo assim números e estatísticas dessa atividade.
Não há duvidas de que a obra de Antonil está marcada pela preocupação que ele tinha em mostrar os detalhes das características econômicas de sua época. Mas o que não devemos esquecer é que, além de ser um detalhista, Antonil era também um grande critico de sua realidade e podemos perceber esse ar de critico em um dos trechos de sua obra, quando ele comenta os danos causados no Brasil pela descoberta das Minas Gerais:
"Convidou a fama das Minas tão abundantes do Brasil homens de toda casta e de todas as partes, uns de cabedal, outros vadios. Aos de cabedal, que tiraram muita quantidade dele nas catas, foi causa de se haverem com altivez e arrogância, de andarem sempre acompanhados de tropas de espingardeiros de animo pronto para executarem qualquer violência, e tomar sem temor algum da justiça, grandes e estrondosas vinganças. Convidou-os o ouro a jogar largamente e gastar em superfluidades quantias extraordinárias sem reparo, comprando, por exemplo, um negro trombeteiro por mil cruzados (400 mil réis, ou seja, quatro vezes mais o que valia um escravo) e uma mulata de mau trato por dobrado preço, para multiplicar com ela contínuos e escandalosos pecados. Os vadios que vão às Minas tirar ouro não dos ribeiros mas dos canudos em que o ajuntam e guardam os que trabalham nas catas, usaram de traições lamentáveis e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo, porque nas Minas a justiça humana não teve ainda tribunal nem o respeito de que em outras partes goza, aonde há mineiros de suposição, assistidos de numeroso e seguido presídio; e só agora poderá esperar-se algum remédio, indo lá governar governado e mineiros." (supostamente uma alusão ao novo governador da Minas, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho)
"E até os Bispos e prelados de algumas religiões sentem sumamente o não se fazer conta das censuras para reduzir os seus bispados e conventos não poucos clérigos e religiosos que escandalosamente por lá andam ou apóstatas ou fugitivos. O irem também às Minas os melhores gêneros de tudo o que se pode desejar foi causa que crescessem de tal sorte os preços de tudo o que se vende, que os senhores de engenho e os lavradores se achem grandemente empenhados, e que por falta de negros não possam tratar do açúcar nem do tabaco como faziam folgadamente nos tempos passados que eram as verdadeiras Minas do Brasil e de Portugal. E o pior é que a maior parte do ouro que se tira das minas passa em pó e em moedas para os reinos estranhos, e a menor é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras muito mais do que as senhoras. Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permitido que se descubra nas Minas tanto ouro para castigar com ele ao Brasil, como está castigando, no mesmo tempo tão abundante de guerras, aos Europeus com o ferro."

Percebemos até aqui nesse breve texto que, sem duvidas Antonil escreveu sua obra assumindo caracteristicas criticas e detalhistas inrreconheciveis em qualquer outro autor de sua época. Mas se a obra de Antonil foi considerada tão boa assim, eu pergunto para você leitor: Porque o conteúdo dessa obra incomoda tanto a coroa portuguesa? E por qual motivo a coroa proibiu e até caçou a obra de Antonil?
As respostas para essas perguntas não ficam muito longe da nossa compreensão, quando nós deparamos com o conteúdo dessa obra. Tal conteúdo - como já foi dito nesse texto- aborda a economia brasileira de um modo bastante critico e descritivo, deixando explicito em números e estatísticas as relações do quadro econômico brasileiro. Por sua vez, a coroa portuguesa era a grande controladora da nossa economia. Era ela que mandava e desmandava nas ações econômicas aqui ocorridas, sendo que, a economia brasileira tinha como principal objetivo, proporcionar lucros cada vez maiores para a coroa. Dessa forma tudo iria caminhando bem, mas com a publicação da obra de Antonil esse quadro econômico vantajoso para a coroa estaria ameaçado.
A obra de Antonil seria vista pela coroa portuguesa, como uma espécie de propaganda de um quadro econômico, que por sua vez, proporcionaria uma grande margem de lucro para quem se aventurasse nessa atividade econômica. Ao expor sua obra ao publico, Antonil –segundo a coroa- estaria causando riscos aos interesses lusitanos, pois logo surgiriam concorrentes para disputarem a hegemonia sobre nossa economia. Vendo seus interesses econômicos ameaçados pela publicação de Antonil, a coroa resolve cortar o mal pela raiz, fazendo com que a obra parasse de circular e até mesmo fosse caçada pelos órgãos competentes. De fato a obra foi proibida e caçada, mas ficaram ainda poucos exemplares que hoje são unas verdadeiras raridades bibliográficas.
Não há duvidas de que o trabalho de Antonil possui uma grande importância para a nossa historiografia. Sua importância é vista não apenas por se tratar de uma obra explicativa e critica sobre as relações econômicas, mas também por poder assumir o papel de fonte histórica em nosso trabalho historiográfico.
IGLÉISIAS, Francisco. Os historiadores do Brasil: Capítulos de historiografia brasileira. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte, MG: UFMG, IPEA, 2000.

MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil. Um Banque no Trópico, 1. - 3ª ed. – São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.

Um comentário:

Germano Jesus disse...

Eu gostei muito de escrever esse artigo e só tenho que agredecer ao meu professor e amigo Fracisco Antônio (mais conhecido como Chiquinho)... Esse texte me traz boas lembraças, muito boas mesmo... Valeu Chiquinho, um abraço...