quarta-feira, 30 de abril de 2008

OS CRONISTAS BRASILEIROS

Simone Rodrigues Gondim[1]
Francisco Antonio da Silva, Prof. da Disciplina Historiografia Brasileira

RESUMO
O presente artigo tem como temática a 1ª fase da Historiografia Brasileira (1500 – 1838). Analiso de forma geral as crônicas históricas produzidas pelos intelectuais da época que escreveram a História do Brasil. As abordagens estão direcionadas para as obras de Frei Vicente do Salvador e André João Antonil. As discussões feitas são realizadas a partir dos trabalhos de Dora Shellarde Corrêa e Francisco Iglesias que não consideram as crônicas como produções historiográficas, mas como descrições que serviram de fontes para outros historiadores.
Palavras – Chave: Crônica Histórica, Historiografia Brasileira, História do Brasil, Produção Historiográfica.
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Contar a História do Brasil hoje não parece ser uma tarefa difícil devido aos inúmeros trabalhos que existem e os que ainda estão por vir. Mas escrever sua história nos séculos XVI e XVII não era tarefa nada fácil, pois era o período da colonização e o território mal tinha sido explorado.
Alguns intelectuais da época, tanto portugueses quanto brasileiros, interessaram-se em escrever a História do Brasil desde a chegada dos portugueses. O trabalho que eles produziram é conhecido por crônica histórica já que eram feitos a partir do que se ouvia falar e também das viagens que faziam pela Colônia e de seus próprios conhecimentos. Essa produção histórica feita nesse período, apesar de parecer mais com “histórias do que história do Brasil” como disse Capistrano de Abreu, são os primeiros registros feitos que serviram de fonte para os futuros historiadores.
Esses cronistas observaram a terra e seus habitantes a partir de ângulos físicos diversos. Cada um a seu modo, relatou o que viu e sentiu. Alguns deles tiveram contato com os índios, outros ficaram impressionados com a beleza natural, outros, porém, que não tinham visto nada do que escreveram em suas obras. Portanto, as descrições desses cronistas não seguem o mesmo modelo e as informações contidas em seus textos são questionáveis em determinadas situações.
Segundo a historiadora Dora Shellarde Corrêa[2], devemos levar em conta que os cronistas descreveram o país a partir de dados locais concretos e que tinham um fim especifico a ser alcançado com a publicação de seus relatos. Tais situações, aliada a sua visão de mundo, contribuíram para a produção dos textos.
Uma característica criticada pela referida historiadora, é que os relatos omitem sobre a paisagem construída pelos índios. Mas antes, é preciso analisar a situação do narrador, se é alguém que está descrevendo para ele, se esteve realmente nestes locais, ou os viu de longe. Ela lembra também, que todos os relatos foram a posteriori. Resultam de memória sendo às vezes cópias de outros cronistas.
Outro historiador que estudou a história da Historiografia Brasileira foi Francisco Iglesias. Em seu livro Historiadores do Brasil ele fala sobre os cronistas dos séculos XVI e XVII. Entre as obras por ele destacada está a de Frei Vicente de Salvador, por ser a primeira História do Brasil escrita por um brasileiro em meados do século XVII.
Segundo Francisco Iglesias, Frei Vicente é um marco significativo não só por seu pioneirismo, mas pela composição da obra, marcada pelo significado do que diz e pela forma leve e agradável. Ele utiliza uma escrita literária diferente da escrita convencional de sua época. Sua obra teve como base os textos de Antonio Salema, que ocupou importante cargo na administração portuguesa. Seu livro é simples, mas contempla todos os setores da sociedade de forma humorada e até certo ponto, ingênua.
As descrições feitas por ele são da realidade e tratam da trajetória dos primeiros cento e vinte anos do Brasil indo do descobrimento até a tentativa de conquista da Bahia pelos holandeses. O que mais chama a atenção em sua escrita é o fato de ele relatar as lutas entre índios e colonizadores, criticando certas atitudes dos portugueses. Somente pela postura de olhar os dois lados da historia e ter uma visão critica perante as atitudes dos colonizadores já o coloca em nível superior aos demais autores. Mesmo sendo brasileiro, a sua postura é no mínimo corajosa. Isso numa época em todos partilhavam do discurso de que os portugueses estavam trazendo a civilização a qual faria bem aos nativos. Mesmo pertencendo a Igreja Católica, que era aliada do Estado nessa empreitada da exploração do Brasil, ele não deixava de perceber os defeitos da colonização, criticando os maus tratos aos nativos, a subjugação dos brasileiros, a desonestidade para com a administração e o abuso de poder.
Suas idéias são vistas por Francisco Iglesias como um nacionalismo tímido, mal formado e pouco explicito, mas real. Sem muita euforia com relação ao pequeno nacionalismo de Frei Vicente o certo é que ele representa o grupo de pessoas que discordava de algumas das atitudes portuguesas com relação ao Brasil. Para a época e o meio em que vivia a sua obra estava à frente do seu tempo, consciente do tempo e de sua terra. Foi por ser uma obra critica que esta não foi publicada ficando inédita até 1886, quando Capistrano de Abreu a apresentou no Diário Oficial.
André João Antonil é outro expoente da safra de cronistas históricos que produziu uma importante e diferenciadora obra. O livro Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas foi publicado em 1711 depois de o autor ter passado vinte e cinco anos de experiência em solo brasileiro, informando-se com um famoso mestre de açúcar.
Antonil procurou deixar registrado tudo o que aprendeu sobre os engenhos, refazendo passo a passo o processo de fabricação de açúcar. Seu verdadeiro nome é João Antonio Andreoni nascido na Itália, era jesuíta e veio para o Brasil aos trinta e dois anos de idade. Seu objetivo era avaliar detalhadamente os homens que aqui viviam e as riquezas que o Brasil poderia oferecer a Portugal, preocupando-se em compreender senhores e escravos.
A partir de suas observações ele escreveu sobre a realidade brasileira descrevendo principalmente a economia, mas não esqueceu o aspecto social. Na abordagem econômica ele fala da produção do açúcar, do tabaco, da mineração e da criação de gado, descrevendo a tecnologia usada, as condições de trabalho com observações técnicas. O aspecto social foi retratado nas condições em que os escravos trabalhavam como também os pequenos problemas do cotidiano percebendo as ambigüidades dos homens que ora atuam de forma equilibrada ou cruel, justa ou injusta, verdadeira ou hipócrita. Sua melhor qualidade foi ter conseguido unir esses dois lados da realidade brasileira numa escrita com estilo próprio que captou a cultura do século XVIII tornando-se referência para aqueles que desejam conhecer o Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de Frei Vicente e Antonil, apesar de terem como característica básica à descrição, o diferencial desses dois autores foi a pesquisa feita por ambos antes de escrever suas obras, de terem produzido um discurso onde mostra os principais setores da sociedade, confrontando a realidade de cada um, numa visão critica sobre a realidade brasileira. São obras tratam de assuntos até hoje discutidos. Eles tiveram uma posição de verdadeiros historiadores, mesmo num período em que a historia não tinha o status de ciência. Foi devido a todas essas qualidades, que sofreram a censura da sua época sendo relegado a ela o lugar do esquecimento. Entretanto, não ficaram esquecidas tornando-se uma das fontes mais usadas de todo o período colonial.
A produção desses historiadores nos faz pensar qual seria a identidade de seus trabalhos. Ambos eram religiosos, porém, ninguém contesta a contribuição valiosa que deram a história com seus escritos. Como então identificar trabalhos sendo específicos de História, Sociologia ou Antropologia? As ciências sociais têm fronteiras tênues e por isso elas ajudam-se no sentido de que cada uma contribui de acordo com os objetivos dos trabalhos feitos tanto por historiadores, sociólogos, antropólogos ou de qualquer outra disciplina de área a fim. Portanto, podem-se fazer trabalhos de História com aspectos sociólogos ou antropólogos e vice-versa.


[1] Aluna do Curso de Historia do S-VII da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – UECE – Limoeiro do Norte da disciplina de Historiografia Brasileira.
[2] CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e Cronistas e a paisagem da Colônia Brasil. In Revista Brasileira de Historia. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 63 – 87, 2006.

BIBLIOGRAFIA
CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e Cronistas e a Paisagem da Colônia Brasil. In Revista Brasileira de Historia. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 63 – 87, 2006.
IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: Capítulos de Historiografia Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Belo Horizonte, MG: UFMG, IPEA, 2000.
MOTA, Lourenço Danças (org). Introdução ao Brasil: Um banquete no Trópico. 3ª ed. São Paulo: SENAC, 2001. vol.1.

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