quinta-feira, 24 de abril de 2008

O IHGB e a historiografia: “construção conservadora da Nação brasileira”. [i]

José Ribeiro Costa[ii]
Francisco Antonio da Silva, Prof. da Disciplina Historiografia Brasileira

Resumo: A história produzida pelo o IHGB, pautada no desejo de produzir uma história para o Brasil, “inventa” ou constrói um passado para esta história, conciliando assim como parece fazer os elementos que compõem seus discursos. Produção de uma história construída sob um palco de permanência e legitimidade, ou seja, em conservadorismo monárquico, palco este, que se fazia justificar a abundância de diferentes repúblicas, onde é necessário conciliar um passado escravista com a crença num tempo civilizado, isto é, do estado de ex-colônia a emancipação e progresso.
Introdução
Comumente o século XIX é apontado como o século da História. [iii] Naquele momento, a história era tornada disciplina autônoma, aparentemente afastando-se da literatura e da filosofia, estabelecendo seus princípios e métodos. Neste contexto, teve destaque a chamada Escola Metódica, inicialmente criada na Alemanha, na primeira metade dos oitocentos deste século, por obra de Leopold Von Ranke e, depois, irradiada e desenvolvida na França, com destaque para G. Monod, Charles Langlois e Charles Seignobos.[iv] Se a pretensão maior destes estudiosos era desenvolver e propagar uma História Científica, destituída de especulações idealistas e metafísicas tão presentes na reflexão de caráter histórico no século XVIII, cabe ressaltar que, acima de qualquer outra coisa, o que fundamentava a concepção cientificista oitocentista era uma nova concepção de tempo, oriunda, conseqüentemente, de uma nova consciência histórica.[v] Tal consciência, enfatiza as “diferenças humanas no tempo”, distinguindo e principalmente problematizando as relações entre passado, presente e futuro. Assim, ao contrário das Filosofias da História do século anterior, “o conhecimento histórico não se assentará mais sobre os elementos a priori, será um conhecimento a posteriori. A cultura histórica oitocentista passou a problematizar de forma cada vez mais intensa a relação entre passado e presente, definitivamente separados por uma experiência radical de ruptura, principalmente “forjada a partir da experiência revolucionária de 1789”. De acordo com Manoel Luiz Salgado Guimarães:
(...) esta cultura histórica atrela inevitavelmente passado, presente e futuro, remetendo-nos para o passado como lugar por excelência de definição de um sentido original, razão explicativa da própr4ia existência do presente. Por este procedimento que veio a se consagrar após longa e acirrada disputa pela significação do passado, o presente estaria de certa maneira contido no passado de forma prefigurada.[vi]
Esta nova concepção de tempo tendia a emancipar a consciência histórica do idealismo, subjacente às concepções de história setecentistas. A partir deste momento – momento “da consciência da diferenciação das dimensões temporais”, conforme aponta José Carlos Reis, “o objeto do historiador é o localizado e datado, o relativo a uma situação espaço temporal, irrepetível, singular: o evento”. É o próprio apogeu do historicismo.
A Europa em ebulição. Era do liberalismo e do nacionalismo. O Brasil é sacudido com a emancipação das colônias espanholas. Com a criação do IHGB em 1838, buscava então fornecer uma definição para a nação brasileira, esta construída sempre conservadora, ligada as autoridades dominantes (D. Pedro II). Surge com a intenção/projeto de dar gênese a historia do Brasil e inserir-la numa tradição de civilização e progresso.
Para melhor compreensão da constituição do IGHB e ao seu projeto de criação de identidade da nação, faço no final deste artigo uma breve abordagem destes: Martius e Varnhagem, que contribuíram mesmo que de forma conservadora nestes discursos a história do Brasil, onde a escrita produzida neste período em que muito se ocultou a verdadeira identidade do país e exaltou a elite dominante, a monarquia.


1. Ao longo do século XIX, surgem diferentes Institutos de História, como é ocaso, por exemplo, do Institut Historique de Paris, criado em1833, ou do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, ampara e ampara-se numa inegável orientação política: “Sempre com sentido conservador, liga-se as autoridades, das quais recebem favores, como se com atenção que lhe dedica d. Pedro II, freqüente às suas sessões, presidindo-as muitas vezes e com financiamento pessoal de pesquisas no país e no estrangeiro, em busca de documentos que dêem vigor e rigor a produção.” [vii]
Assim, se o século XIX apresenta-se, ou é apresentado, como o período do enaltecimento da cientificidade, vêem-se, ainda, neste mesmo século, acaloradas discussões em torno da temática do nacionalismo, percorrendo a cultura ocidental. Logo, a história agora instituída como forma de conhecimento, ou disciplina – apresenta-se atrelada ao debate em torno das questões nacionais, marcando-o e, principalmente, sendo marcada, em seus contornos disciplinares, por este mesmo debate. O século XIX, século das histórias cientificas, instaurando uma nova consciência histórica e determinando aquilo que se deveria entender por história, marca (no caso brasileiro) a institucionalização do debate e delineamento de uma proposta de “Nação brasileira”.
Neste quadro, coube ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro o projeto de escrita da história de uma nação em processo de consolidação. O IHGB apresentava-se no “papel de única e legítima instância para escrever a história do Brasil e para trazer à luz o verdadeiro caráter da Nação brasileira.” Pode-se mesmo pensar no Instituto Histórico como o locus privilegiado, naquele momento, a partir de onde se "fala" sobre o Brasil.” [viii]
Este momento, próximo e ao mesmo tempo, diferente do caso europeu, institucionaliza assim uma idéia de história que, através do estabelecimento de um marco de fundação para a historiografia nacional, acaba por institucionalizar também uma forma de memória oficial acerca do passado e da história, bem como, e conseqüentemente, da própria historiografia brasileira.
Ainda que o IHGB se inscreva num tempo marcado pelo aparecimento de outros institutos históricos e também pelo uso de um modelo moderno de se pensar a história atrelada à própria constituição científica do conhecimento histórico, assim como Guimarães conceitua o Instituto a seguir:

“Herdeiro de uma concepção antiga de história, lança-se o Instituto Histórico à tarefa de escrever a gênese da Nação brasileira, preocupação, neste sentido, moderna da historiografia européia do século XIX. Momento mesmo de passagem, esta historiografia abriga aspectos de uma visão antiga e de uma visão moderna de se pensar história. Utilizando-se categorias próprias da história iluminista, vai se tentar dar conta da especificidade nacional brasileira em termos da sua identidade e do papel que lhe caberá no conjunto das Nações.[ix]

Percebe-se, dessa maneira, esboçar-se um objetivo de caráter moderno, a institucionalização de um projeto da história nacional brasileira com recorrência a um “meio” antigo, através do recurso de um modelo clássico de história. Assim se a história é o meio imprescindível para a composição da nacionalidade e ainda que o IHGB parta dos instrumentos da história e da geografia para a definição do quadro nacional em consolidação, percebe-se a presença de elementos crescentes exteriorizados ao modelo moderno e cientificista de história, isto é, elementos oriundos da tradição clássica e iluminista, marcantes principalmente na primeira geração fundadora do IHGB.
Fundamentalmente, o modelo clássico de história atribui um caráter exemplar à própria história - geradora de exemplos úteis para o presente e o futuro passando, assim, a se configurar numa marcha linear e progressiva, integrando passado, presente e futuro, garantindo, através dos exemplos tomados no passado, as melhores decisões a serem tomadas no próprio presente e das quais dependem as orientações futuras. Cabe lembrar, apenas, que este modelo pragmático, ou seja, de regras que servem de suporte para a escrita da história produzida pela geração fundadora do IHGB, foi marcante na cultura ocidental, entre a Renascença e o Iluminismo, nos últimos anos do século XVIII.
Além disto, conforme aponta Guimarães, a concepção de história, partilhada pelo IHGB, guarda, concomitantemente à visão pragmática e exemplar, um “nítido sentido teleológico conferindo ao historiador, através de seu ofício, um papel central na condução dos rumos deste fim último da história ”[x] Logo, a historiografia que aqui se institucionaliza desde 1838, com a fundação do IHGB e que “pretende dar os contornos da historia nacional, contribuindo para forjar a própria identidade nacional, além de estabelecer a cânone e a leitura autorizada em torno da produção anterior ao próprio estabelecimento do Instituto, especificamente em relação ao século XVIII e às academias criadas no Brasil naquele período.” [xi] Procurará na encruzilhada de dois diferentes “regimes de historicidade” entre clássico e moderno, fazer a integração do “velho” e do “novo”, necessidade, talvez, resultante da própria especificidade da emancipação política brasileira e de suas elites. As implicações de natureza política parecem claras, articulado e projetado para construção da nação e a escrita da história nacional, assim como deixa visíveis os estatutos de 1851, as relações entre o IHGB e a monarquia.
A segunda fase da historiografia (1838-1931) é regida pelo IHGB, organizado e nos moldes Frances, numa época de ebulição na Europa. Contribuíram para o Instituto, Martius e Varnhagem, que mesmo como referências conservadoras alicerçaram a escrita da historia para historiografia do Brasil.
Martius, ainda numa escrita narrativa da época, deixa de lado seu lado epidérmico da vida política e de detém ao estudo dos contingentes étnicos, sobre o papel do português, do índio e do negro. Se atenta aos problemas comuns , assim como fala muito em raça branca, índia e etiópica, fazendo entre si particularidades sobre elas, de raças inferiores e classes superiores. É um monarquista exaltado e preso ao sistema dominante e que escreve como um autor monárquico constitucional.
Varnhagem tinha muita pesquisa e fez o histórico da colonização portuguesa, relevante ao poder metropolitano, “não censura, compreende-o e até o exalta.” [xii], pode-se perceber que Varnhagem e, assim como Martius e outros contemporâneos da época estavam ligados a monarquia e dela faziam a produção historiográfica de acordo com o seu sistema.
Neste meio conservador e de caráter político monárquico, fazia-se necessário produzir uma história sem rupturas, inserindo o Brasil no quadro geral das Nações, integrado numa tradição marcadamente iluminista de civilização e progresso.

Considerações Finais
A história produzida pelo IHGB, pautando-se no desejo de produzir uma história para o Brasil, “inventa’ um passado para esta história, conciliando assim como parece fazer com os elementos que compõem o seu discurso – elementos aparentemente incompatíveis: fazia-se necessário justificar a permanência e legitimidade de uma monarquia num palco onde abundavam diferentes repúblicas; fazia-se necessário conciliar um passado escravista com a crença num tempo de civilização e, por fim, e entre outros, fazia-se necessário conciliar o estado de ex-colônia ao porvir da emancipação e do progresso.
O que se é possível estabelecer é que, a própria identidade para a nação era dotada de “sentidos” a própria história desta nação. O IHGB fundiu ainda mesmo com a produção aqui realizada, foram ainda estudos que serviram mais de críticas posteriores, mesmo em relação à construção conservadora à elite dominante, onde a escrita estava assentada na exaltação e veneração a monarquia, e seguida pelo seu sistema dominante.
[i] Artigo elaborado para disciplina de Historiografia Brasileira ministrada pelo professor Francisco Antonio.
[ii] Graduando do Curso de História UECE/FAFIDAM, S.VII.
[iii] IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. p.40.
[iv] Idem.
[v] REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1996. p.5.
[vi] GUIMARÃES, op.cit.p.11.
[vii] Idem.
[viii] Idem.
[ix] GUIMARÃES, op.cit.p.12.
[x] Idem, p.13.
[xi] KARVAT, Erivan Cassiano. A historiografia como discurso fundador. p.8.
[xii] IGLÉSIAS, Francisco. Op.cit.p.82.

BIBLIOGRAFIA
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1,1988.p.5-27.

IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia Brasileira. Rio de janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG, 2000.

KARVAT, Erivan Cassiano. A historiografia como discurso fundador: reflexões em torno de um Programma histórico . Revista de História Regional 10(2): 47-70, Inverno, 2005.

REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1996.

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