quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sobre História

HOBSBAWM, Eric. O Presente como História. In: Sobre História. Trad. Cid Knipel Moreira. – São Paulo: Cia das Letras, 1998. pp. 243-255

Por Francisco Antonio da Silva,
Professor da Disciplina História Contemporânea III,
Curso de História da FAFIDAM/UECE

A preocupação como a história do tempo presente é o tema central deste texto do historiador inglês Eric Hobsbawm. Para ele, a afirmação de “que toda história é história contemporânea disfarçada” (p. 243), contém um pouco de verdade. No entanto, uma coisa é escrever a história da Antiguidade Clássica como um filho do século XX, e “outra coisa bem diferente é escrevermos a história do próprio tempo em que vivemos”.
Para refletir a respeito desta questão Hobsbawm reflete sobre três problemas que envolvem a produção historiográfica sobre o tempo presente: a) o problema da própria data de nascimento do historiador ou o problema das gerações; b) os problemas de como nossa própria perspectiva do passado pode mudar enquanto procedimento histórico; e c) o de como escapar das suposições da época partilhadas pela maioria.
Quanto ao primeiro problema é preciso considerar uma questão central: os marcos históricos e o consenso em torno deles. Isso supõe que uma experiência individual de vida também seja uma experiência coletiva, ou seja, que alguns fatos, embora não vivenciados diretamente, tornam-se referências para se pensar o presente na medida em que possibilita a construção de esquemas de pensamento e comportamento que acabam por servirem de referência para a grande maioria das sociedades humanas. Hobsbawm cita alguns desses marcos, como por exemplo, a Segunda Guerra Mundial, a Grande Depressão de 1929-33 e a Revolução Russa de 1917.
No caso da América Latina, podemos pensar na Revolução Cubana, por exemplo, que até os dias atuais continua irrigando as mentes dos intelectuais e dos políticos, orientando as ações e intervenções dos governos latino-americanos e dos Estados Unidos, que colocam a pequena ilha no centro de uma disputa ideológica.
É importante, como faz Hobsbawm, questionar o caráter destes eventos ou marcos. Faz-se necessário perceber até que ponto há semelhante consenso, em que medida ele é permanente, até que ponto está sujeito a mudança, erosão, transformação, como e por quê?
Os marcos ou o consenso sobre determinados eventos estão relacionados ao próprio tempo de vida do historiador, constituindo “o poleiro particular” a partir do qual o historiador sonda o mundo. Assim, “é inevitável que a experiência pessoal desses tempos modele a maneira como os vemos” e refletimos a respeito (p. 245).
Relacionado a esta questão há o problema das gerações. O poleiro particular de cada geração influencia na apreensão dos marcos históricos e na interpretação dos mesmos, além do mais quando as transformações se dão numa velocidade cada vez mais difícil de serem acompanhadas. Hobsbawm reconhece que a mudança nas gerações traz mudanças tanto na escrita quanto na prática historiográfica.
O segundo problema é uma inversão do primeiro e diz respeito ao efeito da passagem dos anos do século sobre a perspectiva do historiador, independentemente de sua idade. Ou seja, o desenrolar de um determinado período histórico, como o século XX, carrega em si uma certa estrutura ou sentido, que só poderá ser compreendido mais amplamente quando a mesma vem átona, num processo de médio e longo prazo. Para Hobsbawm, os eventos ocorridos entre os anos de 1989 e 1991 possibilitaram uma nova compreensão de todo o período anterior iniciado na década de 1970, ou mesmo nos anos 20 e 30. Isso porque a capacidade de previsão do historiador e outros profissionais como os economistas e cientistas políticos é bem menor do que a do período anterior à Segunda Guerra Mundial. Quando falha a capacidade de predição entra em jogo a capacidade de retrospecção, que possibilita ao historiador refletir melhor a respeito do tempo presente.
O terceiro problema afeta os historiadores de todas as gerações e está menos sujeito à rápida revisão à luz dos acontecimentos históricos: o padrão geral das idéias sobre o nosso tempo, que se fundamenta numa visão religiosa do mundo, na guerra entre o Bem e o Mal, Cristo e Anticristo. Até os anos 80 do século passado a guerra religiosa girou em torno do comunismo e capitalismo. Hoje os conflitos residem entre terroristas e defensores da liberdade e da democracia.
Para Hobsbawm, o “perigo das guerras das guerras religiosas é que continuamos a ver o mundo em termos de jogos de soma zero, de divisões binárias mutuamente incompatíveis, mesmo quando as guerras estão terminadas” (p. 253). Fugir a esta visão maniqueísta é grande desafio do historiador que escreve sobre o seu próprio tempo. Ele deve escapar das suposições partilhadas pela maioria. Para isso o historiador deve ser capaz de questionar as visões de mundo dominantes, que naturalizam a realidade e prendem a atenção do observador.
Enfim, o historiador deve ser capaz de ver o desenrolar dos fatos históricos a médio e longo prazos, aperfeiçoando a sua capacidade de retrospecção, análise e reflexão. Nesta perspectivas é necessário pensarmos mais atentamente as questões centrais que estão postas no século XXI, como por exemplo, a idéia generalizada de que não há alternativas ao capitalismo e a nova “guerra santa”, envolvendo ocidente e oriente, que se traduz na guerra contra o terror e a demonização do inimigo.

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