segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista

Por Francisco Antonio da Silva

    A história dos últimos 500 anos do Brasil tem sido marcada em linhas gerais pela luta dos proprietários de terras e os não-proprietários, ou seja, os "SEM TERRA". A terra no Brasil após a chegada dos portugueses tornou-se condição essencial para a estruturação do domínio estrangeiro sobre o nosso país. Para a efetiva ocupação do território os portugueses travaram guerras de extermínio e aprisionamento com os habitantes da terra e, contando com a ajuda da Igreja Católica, realizou também o etnocídio, ou seja, a destruição das crenças, saberes e formas de vida construídas durante milhares de anos pelos povos que aqui viviam.
    
A escravidão do negro também foi outro fator determinante para que os colonizadores organizassem e mantivessem com sucesso uma nova forma de produzir, ligada ao capitalismo comercial e ao mercantilismo (que criou as bases para a moderna sociedade capitalista que conhecemos hoje). Sem o Brasil e o extermínio e exploração de seu povo, assim como o trabalho escravo de diversos povos africanos, talvez a história do mundo tivesse seguido outro caminho.
    Infelizmente, os portugueses e espanhóis realizaram com sucesso e a custa do sofrimento, suor e sangue dos povos indígenas e africanos, as condições essenciais para o desenvolvimento das sociedades européias. Os europeus colheram os melhores frutos destas terras, enquanto restaram para nós os mais graves problemas, dentre eles, uma estrutura fundiária extremamente concentrada, ou seja, extensas porções de terras nas mãos de uns poucos privilegiados. Essa situação possibilitou aos proprietários, que se tornaram os novos donos da terra, o controle de todos os campos da sociedade brasileira: a economia, a política, a cultura, a educação, os financiamentos públicos, dentre outros.
    Infelizmente, repetimos mais uma vez, criou-se um discurso muito perigoso no Brasil que diz que os trabalhadores, sejam eles rurais ou urbanos, aceitaram e continuam aceitando passivamente a tirania dos ricos e poderosos. No entanto, esta é uma grande mentira criada pelas elites dominantes de nosso país para desencorajar o povo brasileiro em sua luta por justiça e cidadania. A luta pela terra foi desde então uma questão central para o questionamento do poderio e tirania das elites econômicas, políticas e culturais deste país. Os quilombos formados por escravos em fuga das correntes das senzalas e casas-grande e os ataques dos povos indígenas revelam um pouco do cenário da contestação à dominação nestes quinhentos anos de opressão contra o povo brasileiro.
    De acordo com José de Souza Martins, no livro Os Camponeses e a Política no Brasil, os camponeses foram os maiores protagonistas de nossa história. O exemplo de Canudos e seu líder Antônio Conselheiro, assim como as Ligas Camponesas, já lançam algumas luzes no quarto escuro da luta pela terra. Mais recentemente um grande movimento popular tem sacudido o país e deixado os grandes proprietários de terras e seus defensores em alerta. Trata-se do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Reconhecido mundialmente, o MST (e outros movimentos sociais) tem sido o principal canal de reivindicação para milhões de brasileiros que compreendem que a reforma agrária é um dos caminhos para a redistribuição da riqueza e a construção da cidadania no Brasil.
Hoje, milhões de brasileiros possuem um pedaço de terra onde plantam e colhem sonhos e esperanças de uma vida mais digna, graças à luta e ao sangue de muitos brasileiros que doaram suas vidas em defesa da reforma agrária.
Jaguaruana, município situado na Micro-região do Baixo Jaguaribe, Estado do Ceará, é um desses lugares marcados pela concentração de terras e desmandos dos proprietários rurais. Em 1996 o município vivenciou uma experiência revolucionária para os padrões locais, quando cerca de duzentas famílias ocuparam a Fazenda JOBRASA, localizada no início da Chapada do Apodi. Lideradas pelo MST-CE, essas famílias romperam as correntes que trancavam o portão que dava acesso à fazenda na localidade de Carnaubal, à margem direita do Rio Jaguaribe, a 15 km de distância do futuro acampamento, que ficou conhecido como Bela Vista.
Já se passaram doze anos e o Acampamento
Bela Vista transformou-se no Assentamento Bela Vista, no qual vivem 174 famílias em duas agrovilas: a principal que fica logo no início da Chapada do Apodi, onde residem 154 famílias, e uma menor conhecida como Sede, com 20 famílias.
Na tentativa de contribuir com a melhoria e a revitalização do Assentamento Bela Vista, um grupo de pessoas preocupado com o destino dos assentados e do Assentamento resolveu criar um grupo para identificar e estudar soluções para os problemas que impedem o desenvolvimento e minam os sonhos e esperanças de todos que vivem neste Projeto de Reforma Agrária.
Neste pequeno espaço do território brasileiro cerca de 800 camponeses (incluindo as crianças e adolescentes) vivenciam a realidade concreta da Reforma Agrária, tentando superar os obstáculos e dificuldades que rondam a maioria dos assentamentos e acampamentos no Brasil.
O GRUPO DE ESTUDO E TRABALHO PARA A MELHORIA E REVITALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO BELA VISTA pretende dar uma pequena contribuição aos assentados e suas famílias, tentando refletir coletivamente a respeito das possibilidades que a reforma agrária poderá trazer para a construção da cidadania e a melhoria das condições de vida dos camponeses e para aqueles que vivem miseravelmente nas cidades, pois compreendemos que o acesso a terra é uma das condições para a superação das desigualdades sociais no país.
2. JUSTIFICATIVA

 

    Há doze anos os camponeses do município de Jaguaruana deram uma demonstração de força e organização ao ocupar a Fazenda JOBRASA – Jojoba do Brasil S.A. – uma empresa do agronegócio que embolsou milhões de reais dos cofres públicos. A ação destes camponeses causou espanto, alvoroço e temor em parte da população jaguaruanense. O medo estava relacionado ao fato de que a ocupação da fazenda foi realizada por sujeitos considerados incapazes de uma ação organizada. Os proprietários de terras e seus lacaios se organizaram para tentaram (ou pelo menos foi divulgado) expulsar os "sem-terra" da propriedade para desencorajar outras ações do tipo.
    Para a grande maioria dos que participaram da ocupação da fazenda essa foi uma experiência inesquecível, pois pela primeira vez na vida se sentiram sujeitos da história, responsáveis por seus destinos. A experiência mais próxima pela qual quase todos haviam enfrentado foram os saques ou tentativas de saques ao comércio local nos períodos de seca. A diferença estava no fato que no saque a "multidão" é movida pela fome, enquanto na ocupação de terras há um caráter político mais evidente, até porque foi o MST que organizou os trabalhadores durante meses para aquela ação.
    Durante a ocupação da terra e o estabelecimento do acampamento os camponeses passaram por uma experiência de trabalho coletivo, coisa muito diferente da ajuda mútua que caracteriza a rotina de trabalho e organização da produção do campesinato brasileiro.
    A organização e o exercício da política foi outra variável que diferenciou o Assentamento Bela Vista de outras comunidades e organizações sociais, pois existiu por muitos anos uma democracia direta a partir da qual os assentados discutiam seus problemas e decidiam os destinos da comunidade através da participação e respeito às decisões da maioria.
    As dificuldades foram muitas e quase insuperáveis. No entanto, seguindo o lema do MST – Ocupar, Resistir e Produzir – os assentados enfrentaram a fome, a sede, a falta de um teto, enfim, privações de todos os tipos, mas conseguiram construir um dos maiores assentamentos da região.
    Hoje as coisas são um pouco diferentes, pois muitos assentados perderam um pouco do sonho e da magia que movia a luta pela terra. Depois de um longo período de lutas e combates em defesa da terra conquista os assentados passam por um momento de retraimento e desencanto. No entanto, a identidade do "sem-terra" forjada na luta continua viva entre os belavistenses. Exemplo disso é a tentativa de criar este grupo para revitalizar o P.A. Bela Vista.
    Enfim, um assentamento que resulta de programa de reforma agrária não se restringe à dimensão econômica, pois ele se caracteriza por ser um espaço de vida, um território socialmente ocupado no dizer do grande geógrafo Milton Santos, onde as pessoas partilham suas vidas, crenças e valores. O assentamento é a expressão concreta de uma nova organização social, sendo que o espaço socialmente construído e conquistado deve refletir as condições objetivas e subjetivas para o desenvolvimento integral, ou seja, os assentados devem dar um salto de qualidade nos aspectos sócio-econômicos, políticos, educacionais, culturais, etc.
    O GRUPO DE ESTUDO E TRABALHO PARA A MELHORIA E REVITALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO BELA VISTA pretende contribuir para a construção do desenvolvimento integral deste Projeto de Assentamento para que as lutas e os esforços desenvolvidos pelos assentados durante estes 12 anos de existência não sejam desvirtuados ou negados pelas práticas anti-reforma agrária que vêm se verificando atualmente.
    Esperamos poder contribuir no sentido de que os assentados compreendam a centralidade do assentamento em suas vidas e sua importância para o município de Jaguaruana.

 
3. OBJETIVOS

 
3.1. Objetivo Geral

 
A proposta do GETRAM é trabalhar para a melhoria e revitalização do Assentamento Bela Vista, com o intuito de refletir a respeito dos problemas e dificuldades vivenciadas pelos assentados, na tentativa de ampliar as condições da comunidade e o desenvolvimento da agricultura camponesa.

 
3.2. Objetivos Específicos

 
  • Identificar os problemas e dificuldades que impedem o desenvolvimento do Assentamento;
  • Propor soluções para os problemas e dificuldades encontrados;
  • Acompanhar e contribuir para a melhoria das ações das associações Nova Vida e Bela Vista;
  • Revitalizar a organização e o trabalho coletivo;
  • Estabelecer e manter o diálogo com os poderes públicos municipal, estadual e federal;
  • Manter relações com instituições públicas como escolas e universidades, assim como com Organizações Não-Governamentais (ONG`s);
  • Desenvolver ações nos campos da educação, cultura e esporte que envolvam as crianças, jovens e adolescentes;
  • Desenvolver ações e projetos de geração de trabalho e renda que propiciem melhores condições de vida aos assentados;
  • Realizar ações no campo da saúde.

 

4. A ORGANIZAÇÃO
    Grande parte dos movimentos sociais, ONG`s, dentre outras instituições dos mais variados campos de atuação, organizam-se a partir de uma estrutura conhecida como colegiado. Esse tipo de organização é superior àquelas que se baseiam numa estrutura hierarquizada como é o caso das duas associações do Assentamento Bela Vista (Associação dos Assentados do Assentamento Bela Vista e Associação Nova Vida), nas quais os sujeitos chave são o Presidente e o Tesoureiro, cabendo aos demais membros da diretoria um papel meramente passivo ou de espectador. Na tentativa de permitir a ampla democracia e participação no GETRAM fez-se a opção por uma estrutura organizacional baseada em COLEGIADO. A organização na forma de colegiado possibilita a todos os sujeitos envolvidos ampla participação e poder de decisão. Cada órgão do colegiado tem funções definidas fazendo com que a organização dependa do trabalho de cada um dos dirigentes. A seguir apresentar-se-á a estrutura do colegiado e suas respectivas funções.

 
4.1. Coordenação Geral:
  • Representar a entidade em todas as esferas do poder público (municipal, estadual e federal), assim como junto a outras entidades e organizações sociais a nível nacional e internacional;
  • Coordenar os trabalhos e zelar pelo cumprimento das decisões tomadas pelo colegiado;
  • Convocar as eleições do Colegiado e presidir o processo eleitoral;

 
4.2. Vice-Coordenação Geral
  • Colaborar com os trabalhos da Coordenação Geral e, na ausência desta, assumir suas funções

 
4.3. Secretaria Geral
  • Lavrar as atas das reuniões e assembléias;
  • Responsável pela guarda e manutenção da documentação da entidade;
  • Secretariar as reuniões de Secretarias e Comissões.

 
4.4. Secretaria de Finanças
  • Manter em perfeito funcionamento o Livro Caixa da Entidade;
  • Preparar prestação de contas mensal;
  • Assinar com a Coordenação e/ou Vice-Coordenação Geral cheques, recibos e outros documentos relacionados às finanças;
  • Realizar campanhas de arrecadação financeira em benefício da entidade e/ou Assentamento Bela Vista;
  • Realizar a movimentação financeira e bancária.

 
4.5. Coordenação de Educação, Cultura e Desporto
  • Desenvolver e Coordenar ações e projetos educativos;
  • Desenvolver e coordenar ações e projetos culturais;
  • Desenvolver e coordenar ações e projetos esportivos;
  • Acompanhar o funcionamento da E.E.F. Nossa Senhora do Livramento

     
4.6. Coordenação de Infra-Estrutura
  • Fazer levantamento a respeito da infra-estrutura e patrimônio do Assentamento Bela Vista;
  • Acompanhar os trabalhos coletivos do assentamento;

 
4.7. Coordenação de Assuntos Sócio-Econômicos
  • Desenvolver e coordenar ações e projetos de geração de trabalho e renda;
  • Coordenar a implantação de uma Incubadora de micro e pequenos negócios;
  • Coordenar a implantação de uma Cooperativa de Crédito;
  • Coordenar a implantação de Cooperativa de Produção e Comercialização.

 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
BENJAMIN, César ... [et. al.]. A Opção Brasileira. – Rio de Janeiro: Contra-ponto, 1998.
CALDART, Roseli Salete. Sem-Terra com Poesia: a arte de re-criar a História. Petrópolis: Vozes, 1987.
ESMERALDO, Gema Galgani Silveira Leite. Ceará no Feminino: as condições de vida da mulher na Zona Rural. Fortaleza: Editora UFC, 2003.
MORISSWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. 256 p.: il.
FABRINI, João Edmilson. A resistência camponesa para além dos movimentos sociais. In Revista Nera, Presidente Prudente, Ano 10, nº. 11, pp. 8-32, Jul.-dez./2007. Disponível no site < http://www4.fct.unesp.br/nera/telas/revistanera.htm, acessado em 30/05/08.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Contribuição ao Estudo do Campesinato Brasileiro: Formação e Territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (1979-1999). (Tese de Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, FFLCH-USP, 1999.
_____. A Ocupação de Terras como Forma de Acesso à Terra. Disponível no site <http://www4.fct.unesp.br/nera/telas/publiacoesdonera.htm>, acesso em 30/05/08.
_____. A Ocupação de Terras é Página Virada da História? Disponível no site <http://www4.fct.unesp.br/nera/telas/publiacoesdonera.htm>, acesso em 30/05/08.
_____. A questão Agrária no Limiar do Século XXI. Disponível no site <http://www4.fct.unesp.br/nera/telas/publiacoesdonera.htm>, acesso em 30/05/08.
MARTINS, José de Sousa. Camponeses e Política no Brasil. Rio de Janeiro, Vozes, 1986.

3 comentários:

Anônimo disse...

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